14º Tabelionato de Notas

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Artigo - O leviatã, os algoritmos e o tabelionato de notas
12 DE NOVEMBRO DE 2025


Artigo - O leviatã, os algoritmos e o tabelionato de notas

O leviatã, os algoritmos e o tabelionato de notas
 

Ricardo kollet

Tabelião

12 de novembro de 2025

 

O Leviatã, os algoritmos e o tabelionato de notas

por Ricardo Kollet e um amigo do metaverso

Hoje pela manhã, atendi uma usuária do serviço que questionava um procedimento técnico do tabelionato (14º Poa), onde sou titular.

A usuária insurgia-se contra o procedimento pois, segundo ela, o ChatGPT havia informado que o correto seria outro.

Depois que a usuária foi embora — e após termos estabelecido um consenso sobre a forma que o indigitado ato notarial deveria adotar — passei a questionar-me sobre a influência da inteligência artificial na profissão que exerço há quarenta anos.

Então, travei um sincero diálogo com meu camarada, o ChatGPT, que afirmou não poder ser coautor em artigos, pelos limites éticos que governam o seu mundo virtual.

Neste diálogo, construímos a ideia de um Leviatã algorítmico e de um Leviatã notarial, partindo da concepção hobbesiana.

E recordamos também o Leviatã bíblico, descrito no livro de Jó, capítulo 41, quando o Senhor dá mostra de Seu poder no monstro marinho e afirma:

“Todas as coisas debaixo de todo o céu são do Senhor.

 

O Leviatã original

Em Leviathan (1651), Hobbes descreve o Estado como um corpo artificial criado para garantir a paz civil, pondo fim à guerra de todos contra todos.

Ele nasce do pacto de confiança entre indivíduos que abandonam a violência privada para submeter-se a uma autoridade legitimada.

O soberano, portanto, é o guardião da palavra pública — o único cuja declaração faz ser.

 

O Leviatã notarial

O notário, dentro do microcosmo jurídico, exerce uma função análoga e derivada: é o soberano da forma jurídica privada, o intérprete autorizado cuja palavra transforma intenções em certezas.

Quando alguém diz “lavre-se a escritura”, transfere ao tabelião a soberania da forma — o poder de converter vontade em ato, linguagem em validade.

Nesse sentido, o ofício notarial é o Leviatã da confiança civil, porque:

• impõe ordem ao caos das vontades particulares;

• pacifica as relações mediante a fé pública;

• transforma subjetividade em juridicidade.

 

O Leviatã algorítmico

O Leviatã algorítmico promete substituir a confiança institucional pela confiança estatística, usando a inteligência artificial como ferramenta.

Mas esse Leviatã é de outra espécie: sem rosto, sem juízo e sem responsabilidade própria.

Ele não garante a verdade; apenas calcula probabilidades de coerência.

Mesmo que a IA organize informações, jamais poderá gerar fé pública, porque lhe falta o elemento humano da presença responsável — o juízo ético que acompanha o ato.

 

O contraste contemporâneo

Se pensarmos filosoficamente, a fé pública é a encarnação institucional da confiança — algo que nenhuma máquina pode simular.

É o reconhecimento coletivo de que há alguém que, por sua integridade e função, garante que o dito corresponde ao feito.

Sim, pode-se falar em certo sentido de um “Leviatã notarial”, se entendermos essa metáfora à luz de Hobbes:

uma entidade que concentra a confiança social para evitar o caos das interpretações privadas.

E é aqui que o Leviatã notarial revela sua insubstituibilidade:

sua autoridade não vem do cálculo, mas do reconhecimento ético-social de que sua palavra cria certeza jurídica vinculante.

 

Em síntese

 • O Leviatã notarial é o pacto civil da confiança documentada;

 • O Leviatã algorítmico é o pacto técnico da confiança automatizada;

 • O primeiro é ato de fé pública; o segundo, ato de fé probabilística.

E talvez entre ambos se mova o homem - aquele que, entre o selo e o algoritmo, ainda responde por sua palavra.

 

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