NOTÍCIAS
Artigo – O direito imobiliário viveu um ano de agitação e profundas transformações – Por Marcelo Valença
09 DE DEZEMBRO DE 2020
Diante de tantos acontecimentos dramáticos, desastres naturais e o clima de incertezas generalizado trazido com a pandemia de Covid-19, pode passar despercebido para muitos que o ano de 2020 foi de intensas transformações para o setor imobiliário. E é isso que se pretende abordar nesta breve retrospectiva do setor.
Evidentemente, a pandemia trouxe significativo impacto sobre o setor. Depois de um primeiro trimestre com 18,3 mil lançamentos (14,8% a mais que no mesmo período de 2019), a partir de maço de 2020 (quando foi decretada oficialmente a pandemia do coronavírus) 79% das incorporadoras adiaram seus lançamentos. O mercado adaptou-se rapidamente com novas ferramentas de forma a adaptar-se ao isolamento social. Uma das transformações mais significativas aconteceu a partir do momento em que o estado de São Paulo passou a admitir a escritura pública por videoconferência. Na mesma linha, Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) admitiu reuniões de condomínio por meio digital. Somado a isso, cabe lembrar que nunca se falou tanto em revisão do Equilíbrio Econômico-Financeiro dos Contratos Privados e Públicos, como neste ano.
Em matéria de contratos privados, foi editada a Lei 14.010 em junho pelo Congresso Nacional que institui RJET no período da pandemia, mas o presidente da República, em agosto vetou as disposições referentes à inexecução dos contratos privados, a extensão aos devedores dos contratos comerciais dos mesmos benefícios dos consumidores e a suspensão dos despejos dos locatários.
Neste ano, face a todas as adversidades decorrentes do isolamento e distanciamento social, o negócio imobiliário digital foi definitivamente implantando. Além dos tradicionais telefonemas sobre investimentos, agora recebemos mensagens via SMS, WhatsApp, chamadas nas redes sociais, nos canais de Youtube, e tudo dirigido conforme nossos gostos, momentos e lugares. Os programas de análise de crédito baseados no potencial do comprador em honrar suas dívidas (ainda que renegociadas), ao invés de comprometimento de renda e poupança própria, somado ao advento do PIX e da possibilidade de auditoria digital das incorporadoras, nos levaram a um caminho muito próximo de poder adquirir um imóvel mediante aplicativ,o com a rolagem dos termos do contrato na tela e um clique de “I accept”. Isso não é ficção científica. Como aqui já ressaltado, desde maio de 2020 o estado de São Paulo permitiu a lavratura de escrituras públicas, inclusive de compra e venda de imóveis por videoconferência. Essa escritura é lavrada, submetida ao cartório de registro de imóveis e registrada digitalmente.
Além disso, a propriedade semiótica (você é dono do que os outros acham que você tem, e não do que você acha que tem) nunca se fez tão presente. O portal registradores.org.br está mais ativo do que nunca. Integrou o território nacional, inclusive em matéria de distribuidores forenses e cartórios de protesto. Em 2021 estará tudo integrado: análises de crédito e jurídica do comprador no estande de vendas; contratos gerados em blockchain, celebrados mediante um clique; liquidações financeiras do preço, recolhimento de imposto de transmissão, ganho de capital e pagamento de emolumentos via PIX; escrituras por videoconferência; e geração de matrícula e contribuinte de IPTU novinhos constando o comprador como proprietário e o agente financeiro como credor da alienação fiduciária sobre o imóvel. Em 2021 isso poderá ser feito em ato único.
E os imóveis que não têm matrícula e/ou lançamento fiscal? A teoria da propriedade semiótica reinou: a 3ª Turma do TJSP permitiu a partilha de imóvel irregular em divórcio, e o RJET suspendeu os prazos para os possuidores reclamarem a usucapião dos imóveis.
O futuro que se faz presente à parte. Há questões a serem apreciadas (e que certamente serão resolvidas): onde se encaixam o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e a LGPD nessa realidade virtual? Uma vez o comprador clicando o “I accept” no estande de vendas ou declarando na frente da câmera do computador com o tabelião do outro lado que aceita os termos e condições da escritura, e fazendo o PIX dos pagamentos ajustados, tudo entra na criptografia do blockchain e dos cartórios. Cabe lembrar que a criptografia do blockchain privado pode ter o grau de confidencialidade das informações ajustado pelas partes, o que não ocorre em relação aos cartórios que existem justamente para manter públicos os dados neles arquivados. O que fazer com os dispositivos do CDC e a legislação esparsa afim sobre arrependimento? A LGDP deve ser aplicada antes e durante o negócio imobiliário digital. Um bom começo é mediante a inserção de cláusulas de autorização de divulgação de informações nos contratos.
Na questão do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos privados, o protagonismo foi dos artigos 317, 393, 422, 478, 479 e 480 do Código Civil. Com base nesses artigos foram emitidas entre março e julho de 2020 decisões cautelares que reduziram contraprestações, preços e aluguéis, suspenderam prazos de vigência, reajuste e remédios contratuais. Mas aí veio o veto presidencial ao RJET e as regras da Lei de Liberdade Econômica prevaleceram: a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual; os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção.
O Equilíbrio Econômico Financeiro dos Contratos Públicos também prevaleceu apesar dos princípios da administração pública, a saber: condições efetivas da proposta (disposição constitucional que determina que os contratos com a administração pública devem ser ater às condições da proposta inicial), alterações quantitativas de até 25% para obras, serviços ou compras e até 50% para reformas de edifício ou de equipamento; paralisia total dos serviços; e Fato do Príncipe no sentido de que se a administração pública ficar muito brava, ela pode adotar providências sem a prévia manifestação dos interessados. Nesse sentido, a autoridade portuária brasileira (ANTAQ) emitiu o acórdão nº 106 em 18/08/2020 que determinou: “… ajustes relativos à inserção dos dispêndios com dragagem e o pagamento de parcela fixa pela utilização do aterro hidráulico, posteriormente convertendo o novo Valor Presente Líquido (VPL) resultante dessa equação em remuneração variável à Autoridade Portuária; III – Não há direito adquirido à dimensão da área de arrendamento, razão pela qual podem ser aperfeiçoadas ampliações e reduções, desde que promovido o necessário reequilíbrio contratual; IV – Não há vedação à realização de atividades acessórias, desde que compatíveis com o contrato, PDZ e demais normativos vigentes…” Prevaleceu o reequilíbrio do contrato.
Já a questão da execução da alienação fiduciária de bem imóvel para o credor é um caminho com três destinos e sem volta: 1) A situação ideal do sistema – o imóvel ser arrematado por um terceiro no primeiro ou no segundo leilão. Se houver excesso de valor de arrematação em relação à dívida, tal valor é devolvido ao devedor. Se houver déficit de valor de arrematação em relação à dívida, o credor arca com o prejuízo e do devedor é quitado; 2) A anomalia prevista – não aparece ninguém no primeiro e segundo leilões para arrematar o imóvel. Nesse caso o imóvel fica para o credor e o devedor é quitado ainda que haja déficit; 3) A singularidade de 2020 – a mesma situação do destino 2, só que a avaliação do imóvel é maior do que o valor da dívida. De acordo com o Recurso Especial Extraordinário (RESP) 1.861.293, o STJ interpretou o termo “a importância que sobejar” constante do Parágrafo 4º do Artigo 27 da Lei 9.514/97 como sendo o excesso de avaliação e não de arrematação e que o excesso de avaliação deve ser devolvido ao devedor. Em outras palavras: o banco desembolsou o financiamento para o vendedor do imóvel, o comprador/devedor não pagou o banco, durante a execução da alienação fiduciária identifica-se que o valor de avaliação do imóvel é maior que o da dívida, e assim, o banco deve quitar o devedor e devolver-lhe o excesso de avaliação. Vale destacar que o único dinheiro que circulou nesse caso foi o desembolso do financiamento pelo banco. Por outro lado, o RESP 1.357.379 sustenta que no caso de excesso de avaliação, não há nada a ser devolvido ao devedor.
Somente saberemos o que vai prevalecer em 2021.
Fonte: O Estado de São Paulo
Outras Notícias
Anoreg RS
Página de Repetitivos inclui julgados sobre exceção à impenhorabilidade do bem de família em caso de hipoteca
24 de junho de 2025
A Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) atualizou a base de dados de Repetitivos e...
Anoreg RS
STF julga busca e apreensão extrajudicial do marco legal das garantias
24 de junho de 2025
STF julga dispositivos do marco legal das garantias (lei 14.711/23) que autorizam a consolidação extrajudicial da...
Anoreg RS
Provimento nº 33/2025-CGJ trata da alteração dos interinos das serventias extrajudiciais
23 de junho de 2025
Estabelece o procedimento das Direções de Foros para cumprimento da decisão da Ação Direta de...
Anoreg RS
Casamento em regime de separação de bens não exclui cônjuge da herança
23 de junho de 2025
A 4ª câmara de Direito Privado do TJ/SP confirmou a decisão que indeferiu o pedido de abertura de inventário...
Anoreg RS
CNB/CF realiza live sobre Conta Notarial nesta terça-feira (24), às 18h
23 de junho de 2025
Transmissão ao vivo irá detalhar aspectos técnicos, jurídicos e operacionais da nova Conta Garantida,...